segunda-feira, 17 de maio de 2010


"Não nego a necessidade objetiva do estímulo material, mas sou contrário a utilizá-lo como alavanca impulsora fundamental.
Porque então ela termina por impor sua própria força à relação entre os homens"

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Nas noites em que você partia...


Nas noites em que você partia, levava consigo pensamentos meus. Eram noites em que eu não dormia; sentia frio, sentia-me fora de mim, sentia-te aqui; minha imaginação fluía e facilmente chegava até você. Não sei se assim você os sentia ou se sentia como deveria.
E foi em pensamentos destes que me deparei com uma perturbadora indagação: Como em tão pouco tempo desabrochou tal relação?
Busquei explicação no desconhecido, no que não tem começo nem fim; o sentimento infinito. Tudo o que é desconhecido é infinito. E me pareceu que quanto mais eu buscava, mais a fundo nesse abismo entrava. Era uma viagem sem volta, sabia, mas estava disposto a me entregar todo a ela... E passaram-se os dias, passaram-me os outros pensamentos, e pensar em você já combinava comigo.
Foi quando num insight, percebi que tal sentimento é infinito em perfeições, no entanto vejo o infinito como uma abstração... É como tomar uma coisa desconhecida por outra igualmente desconhecida; é tomar o atributo de uma coisa pela própria coisa.
Procurei, pois, na emoção a causa de tudo o que não foi emanado de nós e surpreendentemente a minha razão foi quem primeiro me respondeu: não há efeito sem causa. De fato, de onde viria esse sentimento se ele repousasse sobre o nada?
Mas por que então atribuir ao acaso as razões dessa aproximação? Seria um absurdo desejar-te como minha sina se inexplicavelmente não houvesse causa maior. Absurdo então conceber o acaso como razão inteligente. O acaso nada é.
A harmonia que regula as energias do universo revela combinações e objetivos determinados para cada um e por isso mesmo sentimos essa força como inexplicável. Atribuir o que sentimos ao acaso seria um contra-senso, porque o acaso é cego e não pode produzir os efeitos que um sentimento por si só produz. Um acaso inteligente deixaria de ser um acaso e como não podemos controlar o que esse sentimento nos produz, ele é, portanto, algo superior à nossa vontade.
Pensar em você tem sido pra mim inquietante, pois quanto mais busco uma resposta, mais me avizinho da certeza de que racionalmente ela não existe.
Decidi então me limitar a sentir. E tem sido o que melhor tenho feito. Me libertei da insegurança, do medo, da incerteza e de tudo o que racionalmente me afastaria de você e conseqüentemente de mim mesmo.
Agora eu sinto, eu viajo, eu fecho os olhos e vou te encontrar. Lá onde você quiser, pois com os olhos fechados somos só nós dois e o paraíso que sonhamos, podemos juntinhos construir.

quinta-feira, 15 de abril de 2010


O "lá ele" é uma das mais importantes expressões do idioma baianês,
mais especificamente do dialeto soteropolitano baixo-vulgar. Segundo
os léxicos, a expressão significa "outra pessoa, não eu" (LARIÚ,
Nivaldo. Dicionário de baianês. 3ª ed. rev. e ampl. Salvador: EGBA,
2007, s/n).

A origem da expressão é ambígua. Alguns etimologistas atribuem seu
surgimento às nativas do bairro da Mata Escura, enquanto outros
identificam registros mais antigos no falar dos moradores do Pau
Miúdo. O certo, porém é que o "lá ele" desempenha papel fundamental em
um dos aspectos mais importantes da cultura da primeira capital do
Brasil - a subcultura urbana do duplo sentido.

Desde a mais tenra infância, os naturais da Soterópolis são treinados
para identificar frases passíveis de dupla interpretação. Da mesma
forma, os soteropolitanos aprendem desde cedo a engendrar artimanhas
para que seu interlocutor profira expressões de duplo sentido.

Assim, as pessoas vivem sob constante tensão vocabular, cuidando para
não fazer afirmações que possam ser deturpadas pelo interlocutor. Para
indivíduos do sexo masculino, por exemplo, é vedado conjugar na
primeira pessoa inocentes verbos como "dar", "sentar", "receber",
cair", "chupar" etc. O interlocutor sempre estará atento para, ao
primeiro deslize, destruir a reputação de quem pronunciou a palavra
proibida.

Como antídoto para a incômoda prática, o "lá ele" surgiu como uma
ferramenta indispensável na comunicação do soterpolitano. Assim, o
indivíduo que falar algo sujeito a interpretações maliciosas estará a
salvo se, imediatamente, antes da reação de seu interlocutor, falar em
alto e bom som "lá ele!"

Por exemplo, qualquer homem, por mais macho que seja, terá sua
orientação posta em dúvida se falar "Neste Natal comi um ótimo peru".
Contudo, se sua frase for "Neste Natal comi um ótimo peru, lá ele!",
não haverá qualquer problema. No mesmo diapasão, confira-se:

(i) se um colega de trabalho enviar um e-mail perguntando "vai dar
para almoçar hoje?", não se pode redarguir apenas "Sim"; deve-se
reponder "Vai dar lá ele. Vamos almoçar";

(ii) se, na pendência do pagamento de polpudos honorários, um advogado
perguntar ao outro "Já recebeu?", a resposta deverá ser "Recebeu lá
ele. Já foi pago";

(iii) ou, ainda, se alguém tiver a desdita a desdita de nascer no
citado bairro do Pau Miúdo, o que poderá transformar sua vida em um
interminável festival de chacotas, deverá sempre valer-se da ressalva:
"eu sou do Pau Miúdo, lá ele".

Para melhor compreensão da matéria, reproduz-se abaixo um exemplo
real, ocorrido no último domingo durante a transmissão do épico
triunfo (vitória é coisa de chibungo, lá ele) do glorioso Esporte
Clube Bahia sobre o Atlético de Alagoinhas:

- Locutor: "Subiu o cartão amarelo?"

- Repórter: "Subiu o amarelo e o vermelho."

- Locutor: "Mas você está vendo subir tudo!"

- Repórter: "Lá ele!"

Note-se que o "lá ele" pode sofrer variações de gênero e número, de
acordo com a palavra que se pretende neutralizar. Se, antes de uma
sessão do TJBA, alguém perguntar "Você conhece os membros da turma
julgadora?", deve-se objetar com veemência: "Lá eles!". Ou se o
cidadão for à Sorveteria da Ribeira e lhe perguntarem "Quantas bolas o
senhor deseja?", é de todo recomendável que se responda "Duas, lá
elas, por favor".

A cultura duplo sentido oferece outros fenômenos da comunicação
interpessoal. Veja-se, a título de ilustração, o sufixo "ives".

Em Salvador, não se pode falar palavras terminadas em "u",
principalmente as oxítonas. Independentemente de sexo, idade ou classe
social, o indivíduo poderá ser mandado para aquele lugar (lá ele). A
pronúncia de uma palavra que dê (lá ela) rima com o nome popular do
esfíncter (lá ele) será prontamente rebatida com a amável sugestão.
Para fazer face ao problema, a vogal "u" passou a ser costumeiramente
substituída pelo sufixo "ives".

Destarte, o capitão da Seleção de 2002 é tratado como "Cafives"; o
Estádio de Pituaçu virou "Pituacives"; o bairro do Curuzu se tornou
"Curuzives"; a capital de Sergipe sói ser chamada de "Aracajives"; e
as pessoas que atendiam pela alcunha de Babu, com frequência utilizada
na Bahia para apelidar carinhosamente pessoas de feições simiescas, há
muito tempo passaram a ser chamadas de "Babives".

Um alentado estudo do "lá ele", que tem outras aplicações práticas
além daquelas ora examinadas, pode ser encontrado na obra
http://ohsuamisera.blogspot. com/2008/10/oxente- rapaz-l-ele. html

Para o "ives", recomenda-se o estudo de http://www.bbmp.com.br/?p=
399, que inclusive analisa a relação do sufixo com a expressão "lá
ele".